"Comércio ilegal traz prejuízos de R$ 410 bilhões aos cofres públicos. A Reforma Tributária pode ser uma aliada para enfrentar a criminalidade?"
Quem nunca desejou melhores escolas, mais moradias e cidades mais seguras? É uma demanda de todo o brasileiro ver os impostos pagos sendo investidos para o desenvolvimento do país. Mas, por ano o país perde bilhões de reais em tributos por causa do contrabando. O Brasil deixa de crescer cerca de 4,15% ao ano por não conseguir combater a entrada de produtos ilegais no país.
Esse é um desafio de décadas e que afeta toda a cadeia da indústria brasileira. Desde 2014, o Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) faz um levantamento anual sobre o crescimento do contrabando no país. Em quase uma década, os prejuízos causados pelo mercado ilegal quadruplicaram. Passando de R$100 bilhões em 2014 para o recorde de R$ 410 bilhões em 2022. Esse valor é a soma das perdas registradas por 14 setores da indústria com a sonegação de impostos dos produtos ilegais.
“Aparentemente esse pode ser um problema isolado das empresas, mas na realidade é de toda a sociedade. Com o produto falsificado ou contrabandeado, fora do mercado formal, é a própria população que perde postos de trabalho, recursos em programas assistenciais e ainda coloca sua vida em risco ao comprar bens de baixa qualidade”, explica Edson Vismona, presidente da FNCP.
É como se fosse uma partida em que a economia brasileira sempre sai perdendo. Sem pagar impostos e sem atender às normas do país, o produto que é contrabandeado desequilibra o mercado nacional e ganha vantagem perante ao consumidor.
O setor de vestuário lidera a lista dos mais impactados com perdas de R$ 84 bilhões, crescimento de 40% em relação a 2021 (R$ 60 bilhões). Nesse cenário encontram-se as gigantes asiáticas que abriram espaço no país. As empresas vendem roupas a preços muito a abaixo dos praticados pelas empresas brasileiras, que há anos reclamam de “contrabando digital”. De acordo com um levantamento da Associação pela Indústria e Comércio Esportivo (ÁPICE), em 2022 havia mais de dezessete mil vendedores ativos de produtos piratas, em uma única plataforma de e-commerce, considerando apenas seis marcas de itens esportivos.
Na sequência, aparecem bebidas alcóolicas (R$ 72,2 bilhões); combustíveis (R$ 29 bilhões); cosméticos e higiene pessoal (R$ 21 bilhões), defensivos agrícolas (R$ 20,8 bilhões), TV por assinatura (R$ 12,1 bilhões) e cigarros (R$ 10,5 bilhões).
Apesar de no montante de impostos o cigarro não liderar a lista dos mais prejudicados, este é o produto que melhor representa o problema econômico e social que o contrabando vem causando ao Brasil.
Em quantidade, o cigarro é o item mais apreendido pelas forças de segurança. Só em 2022 foram cerca 162 milhões de maços confiscados, de acordo com a Receita Federal. Se colocados em linha reta dariam 13,5 mil quilômetros de extensão – o suficiente para viajar mais de três vezes do extremo Norte ao extremo Sul do Brasil. Um a cada três produtos ilegais apreendidos no país é um maço de cigarro.
É um mercado ilegal muito difícil de combater por causa do tamanho das nossas fronteiras. Criminosos vêm diversificando diariamente a entrada dos produtos no país, seja por ar, terra ou mar. “É uma atividade extremamente rentável pro contrabandista. As apreensões vêm aumentando ano a ano, com investimento de inteligência e aumento do efetivo. Mas como os criminosos lucram muito, continuam criando novas rotas porque sabem que é uma atividade que compensa no Brasil”, explica Guilherme Figueiredo, delegado da Polícia Federal e chefe do Setor de Análise de Dados e Inteligência da Coordenação Geral de Repressão à Crimes fazendários.
Por que a reforma tributária é importante?
O Brasil tem discutido neste ano a Reforma Tributária, que já foi aprovada em primeira votação pela Câmara dos Deputados, em Brasília. Além da unificação dos tributos, o projeto prevê a criação de uma taxa seletiva para produtos considerados prejudiciais à saúde, batizada de “imposto do pecado” – uma tática para desestimular o consumo de bebidas alcoólicas e o cigarro.
Como a reforma ainda está em tramitação, ainda não se sabe quais bens podem ser aplicados dentro dessa possível cobrança extra. E nem de quanto ela será. Uma lei complementar deve ser redigida para definir os produtos.
Mas essa é uma lógica que já funciona no Brasil. Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação mostra que o preço da cerveja, uma das bebidas alcoólicas mais consumidas no país, é composto de 42,7% de impostos. Enquanto no cigarro essa parcela sobe para 83,3%.
Uma lógica, segundo especialistas, que não tem dado os resultados esperados. Pery Shikida, especialista em economia do crime, explica que o aumento em escala do imposto do cigarro, por exemplo, teve um efeito reverso nos últimos anos: incentivou o contrabando do fumo mais barato e nocivo. Isso porque a alta carga tributária diminui a competitividade dos produtos nacionais e deixou o caminho livre para o produto ilegal, que não paga os tributos ao governo.
“A chamada elasticidade do cigarro é muito diferente do que outros produtos. Se o maço fabricado aqui encarece por causa do imposto, o consumidor, principalmente das classes C e D vai buscar uma substituição, que vai ser guiada estritamente pelo preço. E o produto mais barato possivelmente será o ilegal”, afirma Shikida.
Para o presidente do FNCP, o Brasil tem a oportunidade de rever um modelo tributário que está onerando os produtos brasileiros. “E essa é a melhor ferramenta pra enfraquecer o contrabando. A gente precisa entender que alimentar o mercado ilegal é fortalecer o crime como um todo.” Disse o presidente do FNCP. “Se aumentarmos o imposto mais uma vez significa entregar de vez o mercado brasileiro para os criminosos”, destacou Vismona.
Presidente da Abrasel, Paulo Solmucci Júnior, mostra como o contrabando de bebidas prejudica estabelecimentos, consumidores, a economia e os investimentos públicos e privados e vê solução tributária como saída
Segundo reportagem da Folha de S.Paulo , só em 2021, 9 indústrias ilegais foram descobertas no país; atuação é mais forte no Rio Grande do Sul e em São Paulo, segundo a polícia.