REFORMA TRIBUTÁRIA:
É preciso simplificar sem aumentar imposto.

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Comércio ilegal de bebidas gera milhões em perdas para mais de 1,2 milhão de bares e restaurantes em todo o País

"Presidente da Abrasel, Paulo Solmucci Júnior, mostra como o contrabando de bebidas prejudica estabelecimentos, consumidores, a economia e os investimentos públicos e privados e vê solução tributária como saída"

São cerca de 1,2 milhão de bares e restaurantes no Brasil e boa parte deles tem como vizinhos – e concorrentes – vendedores informais de produtos como alimentos, bebidas e cigarros, itens que são as principais e por vezes as únicas fontes de renda desses estabelecimentos. Uma questão gravíssima e muito complexa, com enormes perdas não só para o setor mas para os consumidores, a economia do País e a sociedade brasileira como um todo.

O presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o engenheiro Paulo Solmucci Júnior, que comanda uma das principais entidades do setor, aponta o mercado clandestino de bebidas e cigarros ilegais como o centro do problema que afeta diretamente este importante segmento de serviços, um dos que mais empregam mão de obra no país.  “O comércio ilegal de bebidas afeta não só o faturamento mas a geração de empregos, os salários, as condições de trabalho oferecidas aos trabalhadores e a própria imagem do setor”, enumera.

Criada em 1986, a Abrasel atua nos 27 estados da federação, além de 30 regionais espalhadas pelas principais regiões brasileiras. Atualmente, a entidade representa cerca de 1,2 milhão de estabelecimentos e mais de 2 milhões de micro e pequenos empreendedores, que juntos geram entre 5,5 e 6 milhões de empregos diretos em todo o País. Cerca de 80% dos estabelecimentos filiados à Abrasel faturam abaixo de R$ 20 mil reais por mês, dos quais entre R$ 2 mil e R$ 3 mil (menos portanto do que três salários mínimos) são retirados por seus proprietários como pró-labore.

De acordo com estudos da Euromonical International, agência de análise estratégica de mercado global, até 2020 cerca de 38% dos destilados comercializados no Brasil eram fruto de contrabando ou descaminho. “É uma questão muito séria, uma concorrência criminosa desleal que vemos todos os dias nas nossas portas. E nos incomoda sobre maneira, tirando dinheiro de quem paga imposto e luta para manter seus negócios”, afirma Solmucci Júnior. “O contrabando de bebidas é uma verdadeira guerra que o Brasil tem que priorizar na reforma tributária, porque prejudica a sociedade como um todo. O Brasil não pode esperar mais e fingir que as coisas estão bem”, ressalta. Confira, a seguir, a entrevista exclusiva com o presidente da Abrasel:

 

Qual o atual cenário do contrabando de bebidas no setor de bares e restaurantes? O problema aumentou ou piorou durante pandemia em que o segmento foi um dos que mais sofreu com as regras de isolamento social?

O contrabando de bebidas e por descaminho no Brasil são problemas antigos que vêm antes da pandemia. Para ser mais preciso, essa situação se agravou a partir de 2015 quando o IPI (Impostos sobre Produtos Industrializados) foi aumentado de maneira desproporcional, tornando-se nocivo até para o Fisco, já que a partir do momento que a carga tributária se torna exagerada, estimula-se indiretamente a evasão fiscal e o contrabando ilegal.

Por conta da quarentena e da importação clandestina que ganhou muito espaço nestes dois anos de pandemia, houve um grande aumento no consumo de bebidas no País, seja de destilados, como whiskies, gins e vodcas, seja de vinho. Ou seja, a partir de 2020, houve uma explosão de consumo, o que acabou favorecendo a prática desses tipos de ilegalidade, tornando-se uma concorrência criminosa para o nosso setor, sobretudo no que se refere às regras de tributação de vinhos importados, que é um das principais pautas e desafios do segmento de bares e restaurantes hoje.

 

Poderia explicar e detalhar um pouco mais essa questão?

O Brasil tem acordos firmados com o Mercosul que permitem a entrada no país de vinhos produzidos em países como Argentina, Chile e Uruguai, com incidência de impostos mais baixos que em outros lugares do mundo que temos relações comerciais. Com isso, tais rótulos são vendidos no mercado a preços reduzidos e bastante competitivos em relação até aos vinhos nacionais. O crescimento vertiginoso e sem controle das plataformas de e-commerce, por sua vez, que vendem direto para o consumidor final sem emitir por vezes nota fiscal, é um outro agravante. Ou seja, qualquer pessoa compra hoje um vinho na internet com muita facilidade e sem nota. O vinho ou o gim chega na sua casa pelo correio. Ou, em muitos casos, há o “delivery contrabando”, em que a pessoa não tem o risco sequer de encontrar o contraventor na esquina, criando-se assim um ambiente indesejado para a sociedade de aparente legalidade.

Esse cenário é extremamente desfavorável para os estabelecimentos legalizados, cujos preços, em geral, são o dobro ou por vezes o triplo mais altos que os oferecidos nos sites clandestinos ou cobrados pelos “executivos de fronteiras” (uma definição irônica sobre a “profissão” de contrabandista). Isto ocorre justamente porque todo restaurante tem que pagar uma série de impostos em cadeia, como II, iPI, ISS, PIS, COFINS, ICMS, etc. etc., mais mão de obra, aluguel do imóvel e outros custos que em geral compõem o preço de venda final de uma garrafa de vinho.

 

E quais os principais problemas que o dono do negócio enfrenta nessa verdadeira guerra com as bebidas contrabandeadas e as falsificadas?

Quando o consumidor olha para o cardápio, a grande maioria desconhece os custos de operação de um bar ou de um restaurante, muito diferente de um produto que você compra para consumir na sua casa. Os estabelecimentos têm um conjunto de custos agregados, desde o aluguel, luz, água, telefone, salários e compromissos trabalhistas, etc. que compõem a sua operação e a sua margem de lucro que deve ser suficiente para ele dar continuidade ao negócio. Ou seja, além de reduzir sua margem de faturamento, o dono do negócio convive com o constrangimento de ter uma imagem prejudicada junto a uma parcela dos consumidores, por achar que ele está praticando preços abusivos e explorando os clientes, o que grande parte das vezes está bem longe da verdade.

 

Como outro efeito nocivo do contrabando, a geração de empregos também é afetada?

Sim, é uma das consequências diretas. E não só em relação à manutenção e criação de novos postos de trabalho mas na melhoria dos salários dos funcionários. Quando você está num ambiente de concorrência desleal com alguém que tem um custo muito menor que o seu. Como consequência isso pressiona suas margens, sob o ponto de vista da concorrência na ponta. Em relação à concorrência estrutural é pior ainda, pois se tem um ambiente regulatório que acaba sobrecarregando o setor produtivo que atua de forma legal com um custo adicional se comparado àqueles que não contribuem. Não é só empresário que paga essa conta mas o funcionário que é mal remunerado e porque o contrabando tira dele a possibilidade de ganhar mais, ter melhores condições de trabalho e estar numa empresa melhor estruturada, assim como o consumidor e a sociedade como um todo, por extensão, perdem coletivamente.

E quais soluções o senhor recomendaria? Uma maior fiscalização e revisão tributária?

Não há uma bala de prata. A solução passa por um conjunto de medidas que, com certeza, inclui controles mais rigorosos dos órgãos governamentais mas, sobretudo, pela revisão tributária que incide sobre as bebidas. Bebidas e cigarros são considerados artigos “de luxo” ou “do pecado” pela legislação brasileira, e por isso, altamente sobretaxados. Eles servem por vezes de cortina de fumaça para esconder o grave problema tributário do país que ocorre em todos os setores, levando a distorções e a onerar toda a cadeia produtiva, que é a responsável por pagar os impostos no Brasil. Além do quê, não é só rico que bebe vinho, vhisky e cachaça de qualidade. Ou seja: a legislação promove essas distorções gerando uma série de prejuízos à sociedade e ao País. É preciso que isso seja corrigido com máxima urgência pela reforma tributária.

 

E quais medidas poderiam ser tomadas no curto, médio e longo prazos?

Segundo estudos da Euromonical International, o mercado ilegal de bebidas destiladas no Brasil representava até 2020 cerca de 38% do volume comercializado, uma coisa gravíssima. Uma das principais razões que explicam esse panorama negativo é uma tributação muito alta em um país que tem historicamente muitas dificuldades em proteger suas fronteiras físicas, por conta da extensão do território brasileiro, e também a virtual, que é o território hoje da internet, tão difícil quanto a primeira de ser controlada. Hoje, os correios, por exemplo, distribuem todo tipo de bebida, de destilados a fermentados, sem um controle e fiscalização mais rígidos. Nessa discussão ainda devem ser incluídas as bebidas falsificadas de péssima qualidade, de origem duvidosa e sem garantias sanitárias, colocando seriamente em risco a saúde das pessoas. Este é um problema bastante complexo que traz enormes perdas ao País e à sociedade.

 

O contrabandista de bebidas é o mesmo daquele que vende cigarros ilegais?

O criminoso pode até começar com um tipo de contravenção: primeiro vende óculos de sol pirateados, depois relógios, bebidas, cigarros, drogas… e por aí vai. Uma pequena contravenção leva a outra, a gravidade vai crescendo, mas todos esses crimes estão interligados. A palavra que traduz bem estas atividades ilegais é o descaminho. Ela pode ser aplicada no sujeito que, independentemente do motivo que tenha feito ele seguir essa vida, o senso comum aponta como um desvio de conduta. Mas isso, depois de algum tempo, acaba se tornando um desvio que afeta outras pessoas, pois o criminoso por achar que está se dando bem acaba cooptando outros cidadãos honestos para os mesmos crimes. Ou seja, ele vira um gestor do negócio e logo monta, abaixo dele, uma pequena estrutura de crime organizado, que está interligada a uma outra maior e esta a outras, e que juntas geram prejuízos enormes à sociedade e ao País.

 

Quanto um bar costuma perder em termos de receita com a concorrência do cigarro ilegal?

Independentemente de quanto um bar fatura com a venda de cigarros, deve-se compreender esta questão sob o aspecto de ser uma facilidade e uma prestação de serviço a mais oferecida pelo estabelecimento, já que uma parte da sociedade é formada de fumantes. Embora haja regras e áreas restritas para se fumar, estima-se que cerca de 15% dos clientes são fumantes. Todo cliente – incluindo aquele que fuma – deve ser tratado com respeito e profissionalismo pelo restaurante, já que o direito de fumar é individual e está contemplado dentro da lei. Não cabe, portanto, nenhum juízo de valor.  O que deveria envergonhar nossos governantes é que praticamente metade dos cigarros que circula hoje no Brasil é de origem ilegal. Sem contar a utilização de menores na venda clandestina de cigarros contrabandeados e até mesmo naqueles casos em que o adolescente tem toda facilidade de comprá-lo no farol de trânsito! Isso, sim, é escandaloso e nos degrada tanto economicamente quanto moralmente.

 

Esse problema social também passa pela questão tributária na sua opinião?

Sim, obviamente. Já passou da hora de o País encarar de frente esse problema engajando toda a sociedade e tendo políticas públicas inteligentes e com soluções estruturais que sejam capazes de resolver de vez essa grave questão pública , a fim de ganharmos essa guerra que envergonha a toda sociedade. Uma coisa é certa: não há como o comerciante combater o cigarro ilegal com a diferença de preço que existe hoje no Brasil. Isso só vai mudar com a revisão tributária que proporcione a redução dessa margem ou criando uma categoria de cigarros que possa competir com o ilegal e assim desestimular o contrabando e quem o comercializa.

 

Isso também vale para o cigarro eletrônico contrabandeado? Há alguma norma específica sobre este tipo de comércio em bares e restaurantes?

Não, não há. A Anvisa sequer autorizou a venda de cigarros eletrônicos no Brasil. A Inglaterra, por exemplo, têm uma política pública pragmática a esse respeito e é uma boa referência nessa área. Lá as regras de consumo são claras e não proíbe o acesso dos britânicos ao eletrônico, pois é uma questão de direito individual. Na minha visão, estamos atrasados nessa questão, já que em boa parte do mundo esse tipo de produto é comercializado legalmente, inclusive sendo recomendado como alternativa ao fumante tradicional. A Abrasel é favorável à liberação do cigarro eletrônico, já que não se pode negar a venda desse produto no país a quem frequenta bares e restaurantes. Caso contrário, o consumidor pode ser estimulado a comprá-los em outros canais de distribuição, inclusive os ilegais. Nesse caso, além da procedência suspeita, a péssima qualidade desses cigarros, já apontada por inúmeras pesquisas científicas, é altamente nociva e prejudicial à saúde das pessoas.

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