"Reforma Tributária prevê sobretaxar produto com o Imposto Seletivo, mas histórico da medida já mostrou que esse não é o melhor caminho"
É como se fosse um remédio que, em vez de melhorar o quadro, piora. Nos últimos anos, o governo federal optou por aumentar os impostos dos cigarros perseguindo a ideia de que – quanto mais alto o preço, menor seria o consumo. Outra expectativa com a medida foi o aumento de arrecadação de impostos. Acontece que, na prática, os dados nos mostram que nem uma coisa nem outra aconteceu. Isso porque, quando o preço do cigarro legal sobe, o consumidor tem à disposição o produto ilegal. Nessa luta, portanto, o Brasil perde a batalha para si mesmo.
Quando aumenta os impostos para reduzir a demanda, não consegue coibir a entrada do fumo barato e nocivo dos países vizinhos, que chega custando quase metade do preço no mercado nacional por não gastar com impostos, encargos trabalhistas ou padrões sanitários, entre outras despesas comuns em negócios legais.
O cigarro contrabandeado tem uma influência tão significativa no Brasil que quatro entre dez cigarros vendidos pelo país são ilegais. Essa situação pode ser atribuída ao desequilíbrio na carga tributária entre o Brasil e as nações vizinhas. A diferença de valores entre produtos comercializados legalmente – que cumprem suas obrigações fiscais-, e os produtos, que operam à margem da legislação alimenta uma economia paralela que prospera no país.
O produto fabricado em solo brasileiro tem, em média, 71% de imposto, de acordo com dados do Ipec, com uma barreira de preço mínimo de R$ 5 desde 2016.
Ainda de acordo com o Ipec, em 2022, o preço do cigarro legal subiu 16,3% entre 2015 e 2019, chegando a média de R$ 7,50. Na outra ponta, o cigarro ilegal tem um preço médio de R$ 3. No Paraguai, a tributação é de 13%, uma das mais baixas do mundo. Com tamanha desproporcionalidade nos tributos, o nosso país vizinho chega a enviar quase 95% da produção de cigarro por meio de contrabando para o Brasil.
O economista Pery Shikida explica que o aumento dos tributos para produtos como o cigarro apresenta um efeito reverso. É o que a economia explica com o conceito da “elasticidade”: consumidores com menos recursos financeiros, não deixam de consumir o produto apenas porque ele aumentou de preço. Na prática, essa concorrência acaba criando o “efeito de substituição”. O consumidor busca a alternativa mais barata.
Resultado? Reduz o consumo legal do produto e expande o lucro do mercado ilegal que, sem pagar impostos, oferece opções mais em conta para o bolso do consumidor. “É uma lógica em que você espera arrecadar mais tributos, mas tem um efeito totalmente contrário. O governo só perde em arrecadação porque abre espaço para o produto ilegal e a criminalidade”, explica Shikida.
De acordo com o economista, o imposto mais caro para os cigarros tem gerado uma perda de 1,39% ao ano no recolhimento de impostos. Nos últimos 11 anos, foram mais de R$ 94 bilhões de perdas em evasão fiscal. Além de ser ineficiente em aumentar a arrecadação pública, Shikida explica que o aumento da carga tributária prejudica os efeitos esperados de políticas públicas para reduzir o consumo desses produtos.
“Precisamos rever a forma com que tributamos o cigarro, porque se a ideia é diminuir o consumo pela ótica da saúde da sociedade só estamos piorando o sistema”, comentou o economista. “É um tiro que sai pela culatra”, complementou.
Contrabando de cigarros usa trabalho Infantil
Numa pesquisa feita pela Universidade do Oeste do Paraná (Unioeste), o economista Pery Shikida também investigou o impacto do mercado ilegal para as populações que vivem na fronteira do Paraguai com o Mato Grosso do Sul e Paraná. Shikida observou que o contrabando tem se tornado cada vez mais um ativo dentro do crime organizado na região, que utiliza, inclusive, mão de obra infantil.
Jovens, menores de 18 anos, aliciados pelas quadrilhas para atuarem como olheiros, que avisam se o caminho para cruzar a fronteira está seguro. É uma atividade criminosa que se tornou fonte de renda para cidades fronteiriças, como Foz do Iguaçu e Guaíra, no Paraná, e Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul.
Essa é uma cultura tão enraizada nestas regiões que parte da população não vê o contrabando como uma atividade ilegal e passível de punição – em comparação ao tráfico de drogas ou de armas, por exemplo. E, pela ótica da punição, estão certas: as penas para quem cruza a fronteira com mercadorias ilegais são brandas, chegando, no máximo, a quatro anos de reclusão e com possibilidade de serem cumpridas em regime semiaberto.
“Se observarmos a fundo é uma lógica que vai muito além do conceito da pura economia. Estamos falando de um mercado que corrompe a cultura local e o futuro de uma geração inteira. Isso gera evasão escolar e impacta cidadãos que poderiam estar exercendo atividades que ajudassem de fato a economia do país”, avalia Shikida.
Imposto Seletivo
Com a mesma lógica de desestimular o consumo de álcool e cigarros, a Reforma Tributária prevê a criação de uma nova taxação: o Imposto Seletivo. A futura tributação incidirá sobre a produção, comercialização ou importação dos produtos danosos à saúde, ou ao meio ambiente.
Mas a lógica de sobretaxar mercadorias como o cigarro deve aumentar ainda mais a presença de produtos contrabandeados, como explica o advogado tributarista Luiz Augusto Bichara. “Tanto isso é verdade que a própria OCDE, ao examinar tributos similares ao Imposto Seletivo, alerta que o comércio ilícito é um fator que influencia diretamente o potencial de arrecadação e de redução do consumo dos produtos gravados por essa modalidade de tributo”, enfatiza Bichara.
O especialista cita a pandemia para mostrar que o próprio mercado brasileiro já deu exemplos de como o Imposto Seletivo pode ser maléfico para as finanças públicas. Em 2020, quando as fronteiras com os países vizinhos estavam fechadas e o real apresentou valorização ante o dólar, a participação dos produtos ilegais apresentaram queda. Resultado: houve queda na diferença dos preços dos cigarros lícitos em comparação aos ilícitos.
“É importante observar que essa recuperação do mercado lícito em 2020 resultou no aumento de 10% na arrecadação de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre cigarros naquele ano, um acréscimo de receita de 500 milhões de reais considerando apenas o imposto federal”, explicou Bichara.
Para o advogado, esse é um exemplo claro de que se o Brasil adotasse uma política de reequilíbrio tributário teríamos, de fato, uma redução na participação dos produtos contrabandeados no mercado nacional e um acréscimo na arrecadação dos tributos federais.
“O mercado ilegal no Brasil cresce por conta do preço, em consequência da alta tributação, que só incentiva a ilegalidade”, explica o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade.
Segundo o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), uma tributação excessiva do novo Imposto Seletivo, previsto na regulamentação da reforma tributária, pode estimular o mercado de produtos ilegais