REFORMA TRIBUTÁRIA:
É preciso simplificar sem aumentar imposto.

REFORMA TRIBUTÁRIA:
É preciso simplificar sem aumentar imposto.

Governo Federal quer R$120 bilhões no combate ao mercado ilegal. É possível?

"Especialistas defendem que meta só será executável se a Reforma Tributária conseguir mudar o peso da carga tributária na indústria brasileira"

A indústria brasileira sofre anualmente com a concorrência desleal do contrabando. É uma perda anual que chega a R$ 410 bilhões – um valor que leva em consideração a sonegação fiscal e os prejuízos de 14 setores industriais com a ilegalidade. O governo federal diz saber do tamanho do rombo que esse valor representa aos cofres públicos e promete que a Reforma Tributária aliada a uma nova política de fiscalização pode mudar esse cenário.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou em abril, durante um grupo de trabalho da Reforma Tributária, que a complexidade do sistema de imposto do país gera uma sonegação que alcança o patamar de R$ 500 bilhões por ano. Tebet prometeu que o governo deve apresentar “no momento certo” uma proposta para conseguir voltar a arrecadar R$ 120 bilhões desse montante total.

“Essa complexidade, essa burocracia da carga tributária gera em torno de R$ 500 bilhões de sonegação por ano”, disse. “Eu só preciso de 20% disso para carimbar que no ano que vem a gente zera o déficit fiscal”, afirmou Tebet.

Para especialistas, os valores sonegados são tão expressivos porque há um desequilíbrio na carga tributária cobrada no país. A chamada Indústria de Transformação, que reúne toda a cadeia produtiva industrial brasileira, é responsável por 10,3% do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), mas responde por um total de 29,5% da arrecadação de impostos no país. Os números são de um levantamento feito em 2019 pela Federação da Indústria do Estado de São Paulo (FIESP).

“A carga que a indústria paga é muito desproporcional ao que ela participa e gera para o PIB brasileiro. Enquanto a agropecuária arrecada apenas 0,6% e tem um impacto no PIB de 4,2%. Se o objetivo do governo é combater a sonegação é preciso rever essa estrutura de desvantagens”, pontua o economista Paulo Gala.

Em outras economias emergentes e países vizinhos da América Latina, a média de tributação da indústria varia entre 23% a 27%, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

No setor de cigarros, por exemplo, a disparidade tributária entre Brasil e Paraguai (de onde vem boa parte dos produtos contrabandeados) é gritante. Enquanto por aqui os tributos sobre o produto ficam entre 70% e 90%, por lá são de 13%. Um convite quase irrecusável aos contrabandistas. Não à toa, o cigarro figura no topo da lista dos mais contrabandeados há anos. De acordo com dados do FNCP, em 2022, o Brasil perdeu R$ 10,5 bilhões em evasão fiscal e prejuízos da indústria.

Para Gala, a diferença só evidencia como o setor industrial brasileiro sai prejudicado perante outros concorrentes. Segundo o economista, os produtos brasileiros entram no mercado internacional com um sobrepreço tributário muito grande. É uma estrutura tributária idealizada na década de 1960, quando o setor industrial era o motor da economia, e que foi idealizada numa lógica cumulativa, que não condiz mais com a realidade atual.

“O setor industrial brasileiro está desaparecendo aos poucos, perdendo espaço década após década”, explica Gala. “Para investir em pesquisa e desenvolvimento é muito caro, demanda muito investimento. Se não simplificarmos e equilibrarmos essa balança isso abre cada vez mais espaço para indústrias fecharem no Brasil”., afirma.

Indústria Têxtil

O setor de vestuário brasileiro é um exemplo dessa defasagem apontada pelos especialistas. É uma indústria que tem um valor de produção de R$ 190 bilhões – o que representa 6% de toda a produção industrial do país, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). É uma indústria importante para o Brasil, que gera 1,3 milhão de empregos em 22,5 mil unidades produtoras espalhadas pelos estados brasileiros.

Imagine quão maior e mais representativa poderia ser a indústria têxtil no Brasil se o mercado legal fosse melhor coibido? O setor é o que mais sofre com o contrabando de produtos de outros países da América Latina e também da Ásia. Segundo os dados da FNCP referente a 2022, as perdas do setor chegam a R$ 84 bilhões – um aumento de 40% em relação a 2021 (R$ 60 bilhões).

Fernando Valente Pimentel, diretor-superintendente da Abit, destaca que cerca de 35% das vendas do setor de vestuário no Brasil são de produtos ilegais ou produtos importados que não pagam os devidos impostos nacionais.

“A indústria nacional têxtil tem uma peculiaridade porque ela é formada em sua maioria por pequenos produtores. Então quando vemos esse dado isso significa menos geração de emprego, menos qualidade dos produtos e uma cadeia que impede o crescimento”, enfatiza o diretor. “E o pequeno produtor quem sofre mais porque ele compete na mesma faixa de preço do que o produto contrabandeado”, explica.

Pimentel defende que a reforma tributária seja um instrumento onde o governo “não puna mais o investidor brasileiro”. O diretor cita o exemplo da calça jeans, um dos produtos mais populares do setor de vestuário. Em média, a calça paga cerca de 40% de impostos – podendo atingir uma taxa mais elevada dependendo do nível do ICMS em cada estado.

A alta tributação faz com que as peças nacionais percam competitividade frente a artigos importados, como os chineses, que chegam com preços competitivos no mercado nacional. Isso gera sonegação e, por consequência, menos impostos para os cofres do governo federal.

“Se essa alíquota total pudesse cair para uma faixa de 20%, a indústria toda poderia ter preços mais competitivos. E isso gera um efeito geral: menos contrabando, mais arrecadação do governo. Você destrava toda uma cadeia que hoje impede que você cresça”, afirma Pimentel.

Para Pimentel, se a Reforma deixar claro ao consumidor e ao produtor o quanto se paga de impostos no Brasil será um ganho social. “Ninguém sabe quanto se paga de imposto total. Temos estimativas, mas o valor final é sempre projetado. O consumidor só vai ter consciência do mercado quando isso ficar claro para ele. Terá um poder de escolha melhor entre o que tem qualidade e o que entra na ilegalidade”, projeta.

“Não podemos, com a reforma, apenas pensar em manter a mesma carga tributária. Acho que precisamos ser ousados e também buscar uma redução. Isso deixa o Brasil num nível mais  compatível com o que buscamos quando falamos em desenvolvimento”, completa.

 

 

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