"Se conseguíssemos reverter a triste realidade do mercado ilegal, teríamos dinheiro para investir em atividades econômicas para gerar empregos, educar o trabalhador e melhorar a sua produtividade."
Antes de a pandemia chegar ao Brasil, em março de 2020, o estudante Giuliano Zelada, 21, já estava à procura de emprego. Ele havia terminado o terceiro ano do Ensino Médio em um escola particular de São Paulo, estava fazendo cursinho e queria ter o próprio dinheiro, não depender dos pais. Com a pandemia, tudo parou.
Neste ano, ele entrou no curso de Artes da Universidade Federal da Bahia, que cursa a distância. E desde março retomou a busca por uma vaga no mercado de trabalho, sem sucesso. “Tentei de tudo, imprimi vários currículos, que entreguei em lojas, fiz um perfil no LinkedIn, procurei familiares. Estou na caçada, mas nada surgiu. As lojas sempre querem um período de experiência e eu nunca trabalhei na vida”, conta o estudante, que busca ter dupla independência com o emprego, financeira e dos pais. “Não quero mais ficar parado, mas também não quis pagar uma agência ou plataforma para tentar arrumar um emprego”, diz o jovem, que não quer ficar parado.
Giuliano escolheu uma época difícil para tentar ingressar no mercado de trabalho. A taxa de desemprego do País gira em torno de 14% neste ano, segundo o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, Renan Pieri. “A gente tem um nível de desemprego muito alto, ele aumentou muito nos últimos cinco anos”, diz. “A gente vem de uma crise muito forte em 2016, da qual nunca se recuperou completamente, e a pandemia só piorou a situação”, aponta. O pesquisador que ainda traz como realidade as pessoas que nem procuram mais trabalho por que não têm expectativa de conseguir.
É o caso, por exemplo, de Anderson Silva, 25, que hoje mora na rua, debaixo do Elevado Presidente João Goulart, o famoso “minhocão”, em São Paulo. Migrante do Piauí, onde está sua família, Anderson conta que terminou o Ensino Médio, chegou a ter emprego com carteira assinada, trabalhando na construção civil até 2017. Perdeu o emprego com a crise, não conseguiu um novo trabalho. Com dívidas, acabou perdendo a casa onde morava, desde 2019, mora na rua.
A crise do emprego
A crise do emprego é uma das mais graves do país, e certamente poderia ser resolvida se parte dos mais de 280 milhões que perdemos anualmente para o mercado ilegal fosse usado para irrigar a economia e criar novos postos de trabalho, já que um dos principais problemas que estão na raiz do desemprego é a falta de investimento no País.
Na realidade, segundo Pieri, podemos identificar três tipos de causas para o desemprego. As de longo, médio e curto prazos. “No curtíssimo prazo, é o problema da pandemia, de muitas empresas terem sofrido muito no período em que ficaram fechadas, com a menor circulação de pessoas. Isso certamente foi um problema muito grande. De médio prazo, a gente tem um problema estrutural de investimento no Brasil, as contas públicas pioraram muito nos últimos anos, isso tirou do Estado a força para fazer investimento. A gente gasta muito com o que chama de custeio, que é folha salarial, aposentados, e sobra muito pouco para fazer novos investimentos. E isso causa também uma piora da situação fiscal, que acaba por diminuir muito o investimento privado também. Porque esse deficit fiscal exige mais tributação e mais tributação gera mais pirataria, enfim. Tudo isso está linkado”, explica.
Quando olhamos para o longo prazo, nossa pior crise é a da produtividade, que é potencializada pelo fato de nós não conseguirmos fazer tantos investimentos, e faz com que tenhamos uma qualidade educacional muito baixa, diminuindo a produtividade do trabalho. “A produtividade do trabalhador brasileiro ocupado está estagnada há 40 anos no Brasil. A gente tem pouca capacidade de inovar comparativamente a outros países, e um trabalhador brasileiro, em média, produz cerca de 25% de um trabalhador americano. Isso é falta de investimento, de capital, falta de acesso à tecnologia, falta de oportunidade, falta de capacitação”, aponta Pieri, sublinhando a questão da educação como central. “A capacidade escolar é muito ruim. A gente conseguiu aumentar sensivelmente os anos de estudo nos últimos 30 anos, mas ainda peca bastante em termos de qualidade. Enfim, isso somado faz com que a taxa de desemprego seja mais alta, os salários sejam mais baixos no Brasil”, explica.
Informalidade
Para o pesquisador, esse é um problema complexo que não comporta soluções simplistas, como pensar apenas na regulamentação como saída para de impedir a precarização do trabalho e os salários mais baixos. “A regulamentação até tem seu lado positivo mas ela pode aumentar um outro problema que a gente tem no Brasil, que é a informalidade. São trabalhadores que por uma série de razões optam por prestar serviços por conta própria. Essa é a maioria das pessoas. Elas ficam sem nenhum tipo de contribuição e sem nenhum registro formal. E tem também as pessoas que contratam outras pessoas sem nenhum vinculo. Um ciclo vicioso. Isso é muito ruim para o trabalhador não só porque em geral ele ganha menos, mas também porque ele não tem acesso a uma rede de proteção social caso ele fique doente, ele vai ter dificuldade para se aposentar, enfim, tem uma série de consequências ruins”, afirma.
Esse é o caso da hoje empresária Cátia Morethes, 46, que hoje tem uma pequena empresa de transporte em Santos chamada Mami Driver, especializada em transportar crianças com segurança. Formada em Tecnologia e Processamento de Dados, com pós-graduação em Administração Financeira, Cátia trabalhou com carteira assinada em grandes empresa até 2009, quando decidiu empreender pela primeira vez. Abriu uma distribuidora de perfumes com seu irmão e quebrou. Foi então trabalhar, sem vínculo, numa empresa de transporte de um amigo. De lá, conseguiu um emprego, também informal, de motorista e faz tudo em uma casa, onde ficou 5 anos. Quando a dona da casa não precisava mais de exclusividade, Catia passou a levar algumas crianças para a escola e a dirigir um Uber. “Era ainda o começo do Uber, e eu gostava. Mas quando ele se popularizou, comecei a ficar com medo, porque antes eu só rodava pelos bairros nobres e aí comecei a ter de ser chamada para ir buscar passageiro na favela.”Depois de desistir do Uber, Cátia foi para Santos, onde abriu sua empresa.
A história da Catia, sobretudo quando estava dirigindo um Uber, ilustra bem o período em que passamos hoje, com a precarização do trabalho. “Claro que esse período coincide com aquele em que a taxa de desemprego aumentou no Brasil, em que as pessoas começaram a usar primeiro os aplicativos de transporte e depois os de entrega de comida nas grandes cidades brasileiras. Eu diria o seguinte: o que gera precarização de fato é a falta de trabalho. Se não tem tanta demanda por trabalho, tem menos vagas, as pessoas disputam as vagas e muita gente não vai conseguir emprego. Essas pessoas vão aceitar qualquer coisa que pague para elas fazerem uma renda em casa”, diz Pieri, lembrando que mesmo o remédio para essa precarização tem de ser pensado com muito cuidado. “A gente tem aqui no Brasil uma carga de burocracia muito forte. Dependendo da regulamentação que você fizer, pode destruir a única fonte de renda que essas pessoas estão tendo. Essa é uma questão que precisa evoluir, a gente precisa ter regulamentação, mas está longe de um momento em que os ânimos estão bem colocados para a gente discutir isso”, pondera.
Investimento
No centro de todas essas questões está a volta de investimento no País. E isso com certeza seria possível recuperando parte dos R$ 280 bilhões que perdemos para o mercado ilegal, seja em sonegação de impostos, seja em falta de investimento privado e estatal nos setores produtivos. E o Brasil é cheio de potencial para a mudar essa situação. E ninguém melhor do que um especialista em empregabilidade para listar quais seriam os melhores caminhos a seguir.
“O que poderia acontecer é enorme” , diz Pieri. “A gente tem só 50% dos municípios no Brasil com saneamento. Só o investimento em saneamento geraria uma demanda de emprego para muito tempo. A infraestrutura em geral. A gente parou de construir rodovia há 30 anos, sem contar em outras modalidades de transporte. Energia elétrica. Qualquer ameaça de crescimento que o Brasil tenha, como deve acontecer neste ano, já se fala em apagão. Definitivamente a gente não tem energia elétrica para sustentar o crescimento por muito tempo. O mercado de saúde vem crescendo já antes da pandemia e, claro, teve outro dinamismo na pandemia. A questão da comunicação também. Todo serviço que é prestado, que antes precisava de uma empresa bem estruturada, com muitos funcionários, hoje virou uma outra coisa, os custos de chegar no consumidor diminuíram muito. Uma pessoa com celular consegue criar ou entrar numa plataforma e chegar no consumidor dela para prestar um serviço”, enumera. “Isso sem falar em investimento em indústrias de alta complexidade, que a gente está muito longe de ter, além do maior potencial do Brasil, que é a bioeconomia. A gente tem uma grande industria adormecida em berço esplêndido que é a Amazônia. A quantidade de produtos que você pode tirar e explorar de maneira sustentável e vender pro mundo inteiro é impressionante”, completa
O Brasil tem vários setores que podem ser estimulados a crescer com muito potencial nos últimos anos. Hoje o que mais dá certo é a agricultura, que é muito competitiva, mas gera menos empregos que outros setores. E, no mundo de hoje, a maior parte dos empregos está concentrada em comércio e serviços. “Não tem como fugir disso. É comércio e serviço. Você melhora o emprego quando você simplifica a vida das pessoas, tem menos burocracia, os impostos são mais simples de pagar, eles até são mais baixos, você tem programas de crédito para a pessoa começar o negócio dela, formação para gestores, educação financeira, enfim, tem um mar de oportunidades para perseguir”, conclui Pieri. E nós sabemos onde se buscar o dinheiro para implementar essas mudanças e fazer esse País crescer de forma sustentada.
“O mercado ilegal no Brasil cresce por conta do preço, em consequência da alta tributação, que só incentiva a ilegalidade”, explica o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade.
Segundo o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), uma tributação excessiva do novo Imposto Seletivo, previsto na regulamentação da reforma tributária, pode estimular o mercado de produtos ilegais