"A ideia de onerar produtos parte de uma crença de que o aumento da tributação servirá para inibir o consumo. Esse raciocínio não se justifica, uma vez que o consumidor tem a opção de comprar o produto ilegal, que não paga imposto"
(Artigo de Edson Vismona, presidente do FNCP, publicado no site do Correio Braziliense em 27.05.2024)
O Brasil está em vias de destravar um dos maiores gargalos que impedem o desenvolvimento do país há décadas. A reestruturação tributária, com a reforma em curso, pretende simplificar um dos sistemas de arrecadação mais complexos do mundo. Nesse processo, o desafio é não aumentar a carga tributária para consumidores e setor produtivo, sob pena de favorecer ainda mais o mercado ilegal, que se beneficia da disparidade de preços entre os seus produtos e os do mercado formal.
A Câmara dos Deputados já criou grupos de trabalho para a apreciação da regulamentação do primeiro texto encaminhado pelo Executivo. Um dos pontos em análise pelos deputados é o Imposto Seletivo. A criação da sobretaxa tem como objetivo desestimular o consumo de produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente. Com alíquota a ser definida em Lei Ordinária, a lista de produtos tem cigarros, bebidas alcoólicas, automóveis e embarcações, entre outros.
A ideia de onerar esses produtos parte de uma crença de que o aumento da tributação servirá para inibir o consumo. Esse raciocínio não se justifica, uma vez que o consumidor tem a opção de comprar o produto ilegal, que não paga imposto. Portanto, não haverá diminuição de consumo, tampouco aumento de arrecadação. Mas um aumento da participação do mercado ilegal.
Tomemos como exemplo a indústria do tabaco, onde a atual carga tributária gira entre 70% e 90%. Em virtude dessa elevadíssima tributação, o mercado legal perde a batalha contra a sonegação fiscal e o contrabando: segundo relatório divulgado pela Receita Federal, o cigarro corresponde a 54% do volume total de bens apreendidos em 2023. As marcas contrabandeadas do Paraguai são aqui tão conhecidas que, numa piada pronta, são alvo até de falsificação.
O preço é o principal propulsor da migração do consumo de produtos legais para o mercado ilícito. Há evidências de que, nesse setor, quando a tributação sobre o cigarro legal aumenta, o consumidor migra para o contrabandeado, bem mais barato porque não é tributado.
Em 2020, de acordo com a pesquisa Ipec, deu-se uma retração do mercado ilícito, decorrente da pandemia de covid-19 e da alta do dólar. O preço do cigarro ilegal ficou mais próximo dos produtos legais nacionais, fazendo com que parte dos consumidores dos produtos ilícitos retornasse para os produtos lícitos. A fatia do ilegal encolheu pela primeira vez em anos, de 57% em 2019 para 49% do mercado nacional em 2020, levando ao aumento de 10% na arrecadação de IPI sobre cigarros em 2020, um acréscimo de receita de R$ 500 milhões considerando-se apenas o imposto federal.
Nos últimos dois anos, por exemplo, o preço do produto contrabandeado manteve-se estável. Esse fator somado ao fato de que não houve aumento de tributo sobre o produto legal fez cair a participação dos cigarros ilegais no mercado de 41% para 36%, levando a um crescimento de arrecadação de cerca de R$ 1 bilhão.
Em resumo, os números comprovam que, longe de desestimular o consumo, o eventual aumento da já elevada carga tributária dos segmentos de tabaco ou de bebidas alcoólicas, que já figuram entre os setores mais pesadamente tributados no Brasil, vai aumentar ainda mais o mercado ilícito desses produtos — com riscos não apenas para a saúde dos brasileiros, mas também para a arrecadação. Governo e parlamentares têm nas mãos o caminho para evitar que o crime roube o país. Não podemos perder essa oportunidade!