"Na avaliação do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), o contrabando se beneficia da alta carga de impostos, que pode ser ampliada ainda mais com a Reforma Tributária"
(reportagem publicada no site O Globo em 27.11.2024)
Uma pesquisa realizada pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), por encomenda do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), aponta que, entre as dez marcas de cigarro mais vendidas do Brasil, três são ilegais. São produtos que não foram submetidos às normas nacionais de segurança sanitária, tampouco pagam impostos. A estimativa do FNCP é que aproximadamente R$ 105 bilhões deixaram de ser arrecadados no Brasil nos últimos 12 anos.
O levantamento indica que a participação de mercado atual da ilegalidade é de 32%. Este ano, a estimativa é que tenham circulado 34 bilhões de unidades de cigarros ilegais em todo o território nacional, dos quais 91% foram comercializados no varejo formal (bares, padarias e mercadinhos). Em 2019, a participação dos produtos contrabandeados ou fabricados no Brasil à margem da lei teria alcançado o auge de 57%.
— A queda de participação da ilegalidade nos últimos anos se explica pela valorização do dólar e pelo aumento da dificuldade logística, dois fenômenos provocados pela pandemia. O trabalho de repressão ao contrabando e aos fabricantes nacionais irregulares também foi fortalecido. Assim, em 2024, voltamos a um patamar mais baixo, equivalente ao de nove anos atrás — analisa Edson Vismona, presidente do FNCP. A participação dos agentes da lei tem se mantido expressiva. Em 2024, entre janeiro e setembro, foram recolhidas pela Receita Federal 1.923 toneladas de cigarros contrabandeados. Mas, na avaliação de Vismona, a ação de caráter policial, por mais importante que seja, não é suficiente. É preciso rever a política tributária sobre os cigarros, que são o produto mais apreendido do Brasil, em volume.
— O aumento de imposto não impede o consumo, não aumenta a arrecadação e ainda incentiva o mercado ilegal, em especial em setores já dominados pela ilegalidade, como o de cigarros. Por isso, é preciso garantir a neutralidade tributária a fim de coibir o crime. Da forma como os impostos estão estabelecidos atualmente, o contrabando representa alta lucratividade e baixo risco para quem opera à margem da lei.
AUMENTO DE IMPOSTOS
Desde 2016, a carga tributária sobre o cigarro vem sendo mantida de forma equilibrada. Mas, no início de novembro, passou a valer o Decreto nº 12.127/2024, que aumentou em 50% a alíquota de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) — e que já havia aumentado, desde 1º de setembro, o preço mínimo por maço em 30%.
Na análise de Luciano Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), esse aumento já foi identificado pelos produtores paraguaios, de onde vem parte expressiva dos cigarros contrabandeados consumidos no Brasil.
— Em nossas pesquisas, já entrevistamos um profissional que atuou por oito anos em fábricas de cigarro do país vizinho. Ele confirma: quando há um aumento de preços no Brasil, os produtores paraguaios, que são beneficiados por pagar impostos muito mais baixos, compram mais insumos, modernizam o maquinário e reforçam os turnos de trabalho, porque sabem que a busca pelo produto contrabandeado vai aumentar.
Esses fornecedores aproveitam o aumento da procura dos consumidores brasileiros por opções de menor preço, diz Barros.
— O crime organizado mantém uma rede logística pronta para a distribuição de qualquer produto que se mostre mais rentável, de brinquedos a armamentos. Com o aumento do IPI, o cigarro contrabandeado, que já é relevante para essa cadeia de distribuição, tende a ganhar ainda mais importância.
De acordo com dados do Idesf, no Paraguai, a taxação não passa de 18% de Imposto Seletivo sobre o Consumo (ISC) e de 10% no Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Na avaliação de Edson Vismona, esse quadro pode ser agravado pelo projeto de lei que regulamenta a Reforma Tributária e está em tramitação no Senado Federal. Da maneira como chegou à Casa, o texto prevê a aplicação de um Imposto Seletivo (IS), que teria como objetivo desestimular o consumo de produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como veículos, aeronaves, extração de petróleo e gás natural, bebidas açucaradas, bebidas alcoólicas e cigarros.
Ainda não se sabe qual será o valor da alíquota do Imposto Seletivo para cada setor, a ser determinado, futuramente, em lei ordinária. O presidente do FNCP aponta que, nesse caso, a preocupação fica em determinar se haverá ou não aumento de carga tributária.
— O cigarro ilegal lidera o ranking de produtos apreendidos pela Receita Federal, em volume. De acordo com o órgão, até setembro deste ano, foram mais de 127 milhões de maços de cigarro ilegal apreendidos em todo o país. Com o aumento dos impostos, o contrabando e a falsificação ganham força, alimentando toda a cadeia do crime organizado e reduzindo a competitividade dos produtores brasileiros legalizados, que pagam impostos e geram empregos.
Para saber mais, acesse https://contrabandonao. com.br/
ENTREVISTA PERY SHIKIDA – ESPECIALISTA EM ECONOMIA DO CRIME
Estudo analisa atuação do crime organizado em SP
Um estudo conduzido pelo professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UniOeste) Pery Shikida, especialista em economia do crime, revela que a ilegalidade em São Paulo não só compensa financeiramente como gera uma renda média mensal de R$ 46.333 aos criminosos (13 vezes o valor da renda com o trabalho legal). A equipe liderada por Shikida entrevistou 408 detentos de dez unidades prisionais da Grande São Paulo. O objetivo foi apurar as motivações que os levaram a atuar na ilegalidade. Na entrevista abaixo, o professor descreve suas percepções.
Qual a principal motivação para uma pessoa aderir a práticas criminosas?
Pery Shikida – Este trabalho faz parte de um conjunto de estudos, realizados nos últimos 25 anos. Sobre as principais motivações, os detentos apontam, pela ordem de importância, a ideia de ganho fácil, a ganância e a indução de outras pessoas.
Qual a avaliação dos entrevistados a respeito do contrabando de cigarros?
A maioria dos entrevistados apontou que o contrabando de cigarros é dominado pelo crime organizado e está diretamente relacionado a outras atividades, como tráfico de drogas e de armas.
Prejuízos bilionários à economia e perdas irreparáveis à sociedade. A série Caminhos Proibidos conta a história de um crime que se perpetua há décadas no país: o contrabando.