"Acréscimo de 50% na alíquota do IPI (Imposto sobre produto Industrializado) sobre os cigarros passa a valer a partir de hoje"
(reportagem publicada no site Exame em 01.11.2024)
O Governo Federal decidiu, por meio do Decreto presidencial nº 12.127/2024, aumentar, de uma só vez, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre os cigarros.
Segundo a equipe do governo, o objetivo é elevar a arrecadação federal com o imposto, que estava inalterado desde 2016.
A medida, porém, despertou controvérsia. Com mais de 25 anos de experiência na área, o tributarista Luiz Gustavo Bichara alerta que o setor tem uma realidade peculiar por causa da competição com o produto contrabandeado.
“O maior nível de arrecadação provavelmente não será aquele resultante da maior alíquota, mas de uma carga tributária que, sem prejuízo à arrecadação, não estimule o contrabando”, diz o tributarista.
Segundo Bichara, o aumento abrupto em 50% não é uma estratégia eficaz. A seguir, confira a entrevista completa com o tributarista.
– O aumento do IPI sobre o cigarro resultará no aumento do preço do produto lícito. Isso certamente incentivará o contrabando, pois a relação entre tributação e mercado ilegal é econômica: quando há aumento do preço de um produto, não por maior custo de produção, mas pelo aumento dos tributos sobre o produto, há um estímulo econômico ao contrabando.
– Infelizmente, a história recente mostra que aumentos na tributação do cigarro fazem o consumidor de produtos lícitos – tributados e que passam por controles sanitários das autoridades brasileiras – migrar para produtos ilícitos, que não são tributados e tampouco estão sujeitos ao controle sanitário.
– Inquestionavelmente, o aumento do preço do cigarro legal foi o principal fator da escalada da participação do cigarro ilegal, impulsionado pela política de aumento de impostos entre 2012 e 2016, principalmente na alíquota do IPI.
Sim, pois quando o preço do produto legal aumenta devido a impostos e não a um maior custo de produção, há um estímulo econômico ao contrabando. Entre 2012 e 2016, o aumento do preço do cigarro lícito foi impulsionado, sobretudo, pelo aumento da carga tributária, principalmente do IPI, enquanto a estabilidade do dólar manteve o preço do cigarro contrabandeado competitivo. Em 2020, a alta do dólar tornou o produto ilegal mais caro, reduzindo o contrabando de 57% para 49%.
No começo de janeiro de 2016, a cotação do dólar estava na casa de R$ 4,04 e, no final de dezembro de 2019, o dólar estava cotado a R$ 4,03. Ou seja, apesar das usuais oscilações diárias, durante esse período houve uma relevante estabilidade cambial. Isso significa que o cigarro fabricado em países vizinhos – com uma tributação significativamente menor – manteve seu preço estável em relação ao produto nacional, inflado pelo IPI maior. Essa disparidade de preços fez com que a participação dos cigarros contrabandeados no mercado brasileiro aumentasse ano após ano: 45% em 2016, 48% em 2017, 54% em 2018 e 57% em 2019.
Em 2020, o dólar saltou de R$ 4,02 no começo de janeiro para R$ 5,20 em fins de dezembro, alcançando impressionantes R$ 5,94 nas máximas diárias naquele ano. Esse aumento drástico do dólar fez com que o produto ilegal ficasse mais caro, diminuindo sua atratividade e a participação do cigarro contrabandeado no mercado brasileiro recuou para 49%, o primeiro recuo em muitos anos.
O aumento do imposto contribui para a evasão fiscal. Quando houve uma redução da participação do cigarro contrabandeado no mercado nacional, de 57% para 49% em 2020, houve um aumento de 10% na arrecadação de IPI sobre cigarros, com acréscimo de R$ 500 milhões de receita fiscal considerando apenas o imposto federal.
Portanto, o aumento dos tributos sobre o cigarro torna o cigarro contrabandeado mais atrativo, causando prejuízo à arrecadação e para a saúde dos consumidores, já que os cigarros contrabandeados não passam pelo crivo das autoridades sanitárias.
A definição da tributação ideal dos cigarros deve buscar a otimização da arrecadação conjugada, equilibrando arrecadação e reduzindo o incentivo econômico ao contrabando. A maior arrecadação nem sempre vem da maior alíquota, mas de uma carga que, sem prejudicar a arrecadação, não estimule o mercado ilegal.
O aumento desproporcional de tributos sobre o cigarro legal aumentará a participação de produtos ilícitos no mercado, afetando a arrecadação da União, Estados e Municípios e colocando a saúde pública em risco, já que produtos contrabandeados não seguem regulamentações sanitárias.
O Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) alerta que a Reforma Tributária em tramitação no Senado pode ampliar, e muito, o contrabando de cigarros no país. Motivo: ele pode ser sobretaxado via Imposto Seletivo, assim como outros itens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.